quinta-feira, novembro 04, 2010

A uma geração que se quis livre e a outra que morreu no ultramar



La Bohème (tradução)

Eu lhes falo de um tempo
Que os menores de vinte anos
Não podem saber
Montmartre naquele tempo
Colocava seus lilás
Até sob nossas janelas
E se o humilde quarto mobilado
Que nos serviu de ninho
Não tinha um boa cara
Foi lá que a gente se conheceu
Eu que chorava miséria
E você que posava nua

A boémia, a boémia,
Isso queria dizer: a gente é feliz
A boêmia, a boêmia,
Nós só comíamos um dia em dois

Nos cafés vizinhos
Nós éramos alguns
Que esperávamos a glória
E apesar da miséria
Com o estômago oco
Nós não deixamos de crer na glória
E quando, em alguma taverna
Com uma boa comida quente
Nós pegávamos uma tela
Nós recitávamos versos
Juntos ao redor do aquecedor
Esquecendo do inverno

A boémia, a boémia
Isso queria dizer: você é bonita
A boémia, a boémia
E nós tínhamos ideais geniais

Frequentemente me acontecia
Diante do meu cavalete
Passar noites brancas
Retocando o desenho
Da linha de um seio
Da curva de um quadril
E isto só pela manhã
A gente se sentava finalmente
Antes de um café com creme
Esgotados mas deliciados
Era preciso que a gente se amasse
E que amasse a vida

A boémia, a boémia
Isso queria dizer: a gente tem vinte anos
A boémia, a boémia
E nós vivíamos do ar do tempo

Qualquer dia desses
Eu farei um passeio
Ao meu antigo endereço
Eu não o reconheço mais
Nem as paredes, nem as ruas
Que viram minha juventude
E do alto de um escadaria
Eu procuro o atelier
Que não existe mais
Em sua nova decoração
Montmartre parece triste
E os lilás morreram

A boémia, a boémia
A gente era jovem, nós éramos loucos
A boémia, a boémia
Isso não quer dizer absolutamente nada


O Portugal de Salazar é feito de duas gerações jovens: uma que fugiu para França e outra que "morreu" na guerra em África nas antigas colónias Portuguesas. Ambas cultivavam a inspiração pelos valores, música e ideais franceses.

As gerações que se seguiram divergiram primeiro para os ideais ingleses e depois para o mundo novo e livre do sonho norte-americano. Encontrei, já por várias vezes, vários exemplos das anteriores gerações e, não são, afinal, assim tão "pimbas" ou "folclóricos" como me habituei a vê-los, sempre de cassette de Charles Aznavour em permanente rodagem no auto-rádio do Renault ou Peugeot. Passei a perceber que as gerações que combateram na guerra - e aqui bem percebo os resultados por proximidade familiar - ficaram em África. Agora com 60 e poucos anos, são ainda os adolescentes que partiram e choram o roubo da juventude. Os jovens que emigraram para França, para o desconhecido, tiveram a ousadia de opinar, pela primeira vez num país que era ainda de Salazar e da PIDE.

Não me atrevo a dizer qual foi a melhor geração e quem fez melhor: quem ficou ou quem se foi. Mas percebo que ambas foram estruturantes para o país. Só tenho pena que os que emigraram para França não tenho depois trazido mais valores da defesa da liberdade e da expressão que por lá se faz sentir por estes dias em que o país esteve em greve geral contra o devaneio dos políticos consumidos pelo capitalismo.

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