segunda-feira, setembro 05, 2011

A Folha Livre


Acordei num dia ignóbil e lento
Sem a pressa do café da manhã
Sem o telefone a manietar a corda do tempo

Ausente dos papéis
Da luz de um ecrã onde bato as letras do que passou,
Liberto-me.

terça-feira, junho 14, 2011

Adeus Baía

Foto: António Rilo

Chego a casa e abro a caixa de email no portátil. Recebo mais umas missivas das que convocam a carne e essencialmente os músculos em acrobacias rectas. Sorrio e cedo à tentação de soltar um impropério elogioso ao remetente. Percebo depois que a série de epístolas atentatórias à moral e aos bons costumes, consideradas, quem sabe, talvez pecado numa qualquer religião, não são mais do que uma ironia. Conheci-te há uns poucos anos quando o vigor ainda te acercava o coração, depois de uma partida mal pregada pelo destino que ontem te levou em desforra pela majestosa derrota que lhe tinhas empregue.

Quando pela primeira vez te vi, moço sentado numa secretária ao lado da tua, achei-te um tipo maníaco com uma série de taras desenvolvidas por várias coisas pelas quais vale a pena ser doído, uma fonte inesgotável de impropérios erguidos a essas taras, grande atirador de piadas e anedotas e tudo que se imagine que anime inesgotavelmente o mundo em boa companhia. Achei-me burro. À medida que cada vez menos te via, fui percebendo que afinal toda a essa palavra fácil que tinhas, e mesmo a credulidade, faziam-te genuíno.


Talvez há dois anos, na véspera de Natal, quis ir, não sei bem porquê, a um centro comercial. Achei que precisava de comprar mais oferendas para juntar ao saco que já estava cheio. Não comprei nada e acabei por sair farto da azáfama do Natal Comercial. Achei-me burro. E num ápice esbarrei-me contigo na porta de saída, sozinho. Falaste-me, robusto, da enorme tristeza e quiçá revolta que tinhas no caminho que o teu velho jornal levava e da vida que querias levar sem trabalhos, sem preocupações e com saúde. Falamos talvez uma hora sem arredar pé. Estava a família na mesa e desejei-te Bom Natal.


Vi-te depois, pontualmente, numa ou noutra conferência onde tinhas sempre amigos. Tinhas sempre amigos em qualquer parte …e tens. Sempre vigoroso, risonho e a tentar – com a vontade e credulidade que te era característica - foder o Mundo enquanto é tempo. E foder, leia-se, matar a tristeza de dezenas, deixar os colegas com as calças na mão de tanto rir, rasgar a vida em plena diversão e abraçar o Mundo com dois braços bem longos. Tudo abraçavas. Lembro-me das tuas partidas afoitas, dos jornais que levavas e trazias, das câmaras fotográficas a que perdias o jeito, do computador não obedecer ao que simplesmente querias sem dar as ordens em linguagem informática. Lembro-me de tudo e tão pouco. Acompanhei o teu adeus aos jornais, sem na altura perceber bem quem eras. E eras – e és – um tipo banal e genuíno que não mereceria tão pouco uma monumental prosa, não fosse o mundo estar a ficar sem tipos como tu, genuínos animais em extinção.


Se há algo que eras é genuíno, puro, sem misturas…tu próprio e com toda a legitimidade. Tinhas agora direito ao teu espaço, às tuas coisas, às tuas fotografias e à tranquilidade de vários anos teus.


Soube ontem que te foste embora. Queria-te ter dito camarada que eras Grande…e se me estiveres a ler quero que saibas que eras, na tua apenas aparente ingenuidade, um dos mais alegres e genuínos seres que conheci. Tenho hoje a certeza que o Céu – para quem acredite – é agora, contigo, um local muito mais divertido a conhecer.


Até sempre Baía Reis!