Acordei num dia ignóbil e lento
Sem a pressa do café da manhã
Sem o telefone a manietar a corda do tempo
Ausente dos papéis
Da luz de um ecrã onde bato as letras do que passou,
Liberto-me.
Quando pela primeira vez te vi, moço sentado numa secretária ao lado da tua, achei-te um tipo maníaco com uma série de taras desenvolvidas por várias coisas pelas quais vale a pena ser doído, uma fonte inesgotável de impropérios erguidos a essas taras, grande atirador de piadas e anedotas e tudo que se imagine que anime inesgotavelmente o mundo em boa companhia. Achei-me burro. À medida que cada vez menos te via, fui percebendo que afinal toda a essa palavra fácil que tinhas, e mesmo a credulidade, faziam-te genuíno.
Talvez há dois anos, na véspera de Natal, quis ir, não sei bem porquê, a um centro comercial. Achei que precisava de comprar mais oferendas para juntar ao saco que já estava cheio. Não comprei nada e acabei por sair farto da azáfama do Natal Comercial. Achei-me burro. E num ápice esbarrei-me contigo na porta de saída, sozinho. Falaste-me, robusto, da enorme tristeza e quiçá revolta que tinhas no caminho que o teu velho jornal levava e da vida que querias levar sem trabalhos, sem preocupações e com saúde. Falamos talvez uma hora sem arredar pé. Estava a família na mesa e desejei-te Bom Natal.
Vi-te depois, pontualmente, numa ou noutra conferência onde tinhas sempre amigos. Tinhas sempre amigos em qualquer parte …e tens. Sempre vigoroso, risonho e a tentar – com a vontade e credulidade que te era característica - foder o Mundo enquanto é tempo. E foder, leia-se, matar a tristeza de dezenas, deixar os colegas com as calças na mão de tanto rir, rasgar a vida em plena diversão e abraçar o Mundo com dois braços bem longos. Tudo abraçavas. Lembro-me das tuas partidas afoitas, dos jornais que levavas e trazias, das câmaras fotográficas a que perdias o jeito, do computador não obedecer ao que simplesmente querias sem dar as ordens em linguagem informática. Lembro-me de tudo e tão pouco. Acompanhei o teu adeus aos jornais, sem na altura perceber bem quem eras. E eras – e és – um tipo banal e genuíno que não mereceria tão pouco uma monumental prosa, não fosse o mundo estar a ficar sem tipos como tu, genuínos animais em extinção.
Se há algo que eras é genuíno, puro, sem misturas…tu próprio e com toda a legitimidade. Tinhas agora direito ao teu espaço, às tuas coisas, às tuas fotografias e à tranquilidade de vários anos teus.
Soube ontem que te foste embora. Queria-te ter dito camarada que eras Grande…e se me estiveres a ler quero que saibas que eras, na tua apenas aparente ingenuidade, um dos mais alegres e genuínos seres que conheci. Tenho hoje a certeza que o Céu – para quem acredite – é agora, contigo, um local muito mais divertido a conhecer.
Até sempre Baía Reis!