sexta-feira, junho 18, 2010

Saramago: "É menos um comunista"



"É menos um comunista". Foi assim que soube que José Saramago hoje morreu. Pela voz quase opinião do pobre espírito de um empregado de mesa. Teve, pelo menos, o cuidado de avisar que podia estar a ferir susceptibilidades. E feriu, a minha de ser português e de admirar quem sonha e consegue ser maior que o país que sempre teima em capturar o génio e a vontade dos seus.

Nunca li um livro de Saramago. O interesse, turvado pelas críticas de uns quantos que dizem que escreve mal, menos bem ou não usa virgulas, nunca chegou para comprar um livro. Hoje decidi que o vou fazer. Mea Culpa. Há alguns meses, em plena igreja ouvi um padre aparentemente sábio a criticar "Caim", o último romance de Saramago. Perante a sacanice do discípulo de Deus, riu-se a plateia do Senhor, em gargalhadas tantas que fui assomado pela gigante dúvida de estar ou não numa igreja. Percebo a pequena vingança perpetrada. Saramago sempre teve o dom de fazer pensar as pessoas. E em certos quadrantes, seja ele o da Ciência ou o da Religião, há muitos que não querem que o Povo pense.

Quando soube da morte do prémio Nobel da Literatura desfolhei notícias e entrevistas avulsas por todos os jornais que se apressaram a homenagear Saramago com manchetes imediatas na Internet. Nunca li nenhuma obra sua, mas não consegui evitar cair no lugar comum daquele que lamentou não o ter conhecido ou ouvir mais cedo as suas palavras. Para um comunista convicto, como ele o era e talvez ainda seja - eu não tenho militância - já estaria a ser demasiado penoso o rumo levado por este país de políticos sem moral. Não é por isso inocente o seu exilio em Lanzarote, nas Ilhas Canárias.

Numa entrevista ao jornalista Adelino Gomes do Jornal Público em 2006, Saramago respondia assim sobre o que se pode fazer para mudar este País:

"O que fazer? Temos um cerimonial democrático cada vez mais falto de vergonha: campanhas eleitorais que custam rios de dinheiro, subsidiadas muitas vezes não se sabe por quem ou demasiado se sabe por quem; promessas que se sabe de antemão não serão cumpridas; processos cosméticos do género de termos um Governo de um partido socialista mas não um Governo socialista. Porque, aqui e em qualquer parte do Mundo, o partido no Governo vai poder chamar-se o que quiser porque vai ter que fazer exactamente a mesma política. Uma comédia de enganos. Não servimos para nada mais senão para homologar coisas que não têm nada que ver connosco porque não podemos influir nelas. Aristóteles, na Política, dizia que, num Governo democrático bem entendido, o governo da Polis, os povos deviam estar em maioria, pois são a maioria".

Hoje estou como um grande amigo jornalista. Há minutos dizia que, perante a morte de Saramago - que decerto terá tido as suas grandes falhas e defeitos quiçá segredos penosos e hereges - só pode berrar e chorar. Não há quem possa negar a grande sinceridade liquida como via a realidade das coisas e a verdade com que a expressava sem medo dos poderosos. Por isso, não há quem possa negar que sempre ousou pensar e bater-se pela liberdade. E quem o faz, mau antes ou bom depois, seja no passado ou no futuro, merece sempre o reconhecido do seu mérito.

Fica o vídeo de um homem desassombrado.

8 comentários:

Major Tom disse...

Concordo na íntegra com este post. Deixa-nos uma voz importante...

Anónimo disse...

"é menos um comunista".. gostei! apoiado!

Anónimo disse...

Muita coisa se disse sobre Saramago, mas muito poucos o leram efectivamente. Eu tive o privilégio de o ler, não só nas suas obras, mas também no quotidiano - através do blogue que o escritor manteve até há 1 ano, quando a saúde o enfraqueceu demais para poder continuar.

Já não será actualizado. Mas, se queres começar a descobrir Saramago, sugiro vivamente:

http://caderno.josesaramago.org/

E, quando te fartares do homem e quiseres as obras, não comeces por uma que qualquer padreco invoca na missa; experimenta o Ensaio sobre a Cegueira, 10.000 vezes melhor do que o filme, um livro de excepção que tenho a certeza absoluta que te vai surpreender e que te pode dar um fio condutor isento de preconceitos para veres com outros olhos o resto das suas obras.

PS: o facto de Saramago ser mais conhecido como comunista do que pelas suas palavras é, basicamente, o resultado de viveres num país de mentecaptos incapazes de pensar por si mesmos. Distancia-te da influência da Igreja, que o declarou como persona non grata, e dos chavões idiotas de quem se refere à pontuação de Saramago sem nunca ter lido uma única linha sua.
O mundo, e a Portugalidade, perderam hoje um grande homem; já os empregados de café, são facilmente substituíveis. Assim como os regentes de paróquia.

Um grande abraço,
CDS

Wordphantom disse...

Grande CDS

Como estás? Seguirei o teu conselho. Que prazer é ler as tuas sábias palavras, num país de mentecaptos. Saudades de uma redacção que bem conhecias...

Abraço

Wordphantom disse...

Caro Anónimo,

O título "É menos um comunista" era ironia de uma circunstância realmente acontecida. Não é obviamente o apogeu da afirmação sem mais.

Volte Sempre e obrigado pela visita.

Wordphantom disse...

Sempre grato Major Tom!

Gazetta Revolucionária disse...

Os comentários maldosos contra os grandes seres humanos como Saramago (comunistas ou não), não devem ser respondidos. Não devemos jogar pérolas aos porcos, não devemos semear em terra infértil. José Saramago foi sim, um grande ser humano, escritor maravilhoso. Já li alguns livros deste mestre, mas desejo de todo coração conhecer mais e mais a obra do Prêmio Nobel de Literatura. Aos porcos joguemos apenas lavagem...

Wordphantom disse...

Tem toda a razão Gazetta. Pena o mundo estar cheiro de porcos e ter poucas pérolas.

Obrigado pela isita. Volte Sempre.